Autoridade Marítima na Ilha do Corvo há mais de um século

O representante da Autoridade Marítima na Ilha do Corvo foi, durante muitos anos, um Cabo de Mar que no exercício das suas funções assistia e fiscalizava a atividade das pescas, o movimento de embarque e desembarque de passageiros e mercadorias, para que estas se processassem em segurança, nos navios e embarcações que escalavam a Ilha.

O primeiro cabo de mar que exerceu aquelas funções de Cabo de Mar, na Ilha do Corvo foi Guilherme Francisco Inocêncio. Nascido a 6 de maio de 1886 – e falecido a 4 de fevereiro de 1963 – com a idade de 76 anos. Durante quarenta anos, exerceu aquela profissão e reformou-se com 70 anos de idade, em 1956.

Conhecedor do mar e das gentes, o Tio Guilherme – assim era conhecido na Vila – exercia a sua profissão sem sobressaltos. Era estimado por todos, especialmente pela classe marítima, que a ele recorriam como conselheiro, para que, com segurança, se pudessem fazer ao mar.

Bom pescador, tinha uma embarcação de pesca e até nas coisas ligadas à faina dava conselhos aos pescadores.

Os marítimos da Ilha do Corvo, baleeiros, pescadores e estivadores, adquiriam a cédula de inscrição marítima na Delegação Marítima da Ilha das Flores. Para isso era necessário deslocarem-se à Ilha dos Flores que, por vezes, devido às impertinências do mar, ali ficavam retidos alguns dias para poderem obter aquele documento.

Quando cheguei à Ilha do Corvo, os únicos três comerciantes que vendiam de tudo, incluindo medicamentos, eram possuidores de barcos que faziam o transporte de passageiros e suas mercadorias para os navios da Empresa Insulana de Navegação (E.I.N.) que ali faziam escala. Parte dos tripulantes destas embarcações não possuíam cédula de inscrição marítima, embora fossem bons marítimos e até alguns com muita competência.

O cabo de mar do Corvo, Guilherme Francisco Inocência, que em 1957 fui substituir na Ilha do Corvo, sem preconceitos dirigiu-se a mim, pois até então não o conhecia e disse-me que, com mais vagar, gostaria de falar comigo para me entregar o material que possuía. Fiquei com muito boa impressão dele, o que veio a confirmar-se pela ajuda que me prestou durante os dois anos que lá estive.

Dias depois fui a sua casa onde fui muito bem-recebido e então entregou-me, além de alguma documentação, um coldre em cabedal com aspeto de muito antigo, com um revólver que já nem funcionava. Por isso, tomei a iniciativa devolvê-lo à Delegação Marítima de Santa Cruz das Flores, acompanhado de um ofício. Assim, passei os meus dois anos na mais pequena ilha dos Açores: desarmado!

Aquele revolver era daqueles, que me habituei a ver nos filmes americanos e faziam o terror dos indígenas?

Depois de dar uma olhada pelas diversas armas ligeiras e miras óticas, fiz a comparação com o revólver que o Tio Guilherme me entregou e cheguei à conclusão que, se fosse hoje, aquele revólver era tão eficiente na Ilha do Corvo como aquelas armas.

Reza a História que a última vez que o Exército Português usou aquele tipo de revolver e com ele deu o último tiro em defesa da Pátria ocorreu na Batalha de Victória entre maio e agosto de 1813, que pôs fim à Guerra Peninsular, aquando das invasões francesas.

Guilherme Francisco Inocêncio. Nascido a 6 de maio de 1886 – Corvo – e falecido a 4 de fevereiro de 1963 – Corvo – Com a idade de 76 anos. Filho de João Francisco de Inocêncio (1845-1911) e de Mariana da Encarnação Valadão (1844-1935). Casado a 13 de janeiro de 1910, Corvo – com Maria Bárbara Costa 1890-1981.


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