Quercus alerta para problemas graves no sector da caça em Portugal

O dia 22 de Maio assinala o Dia Internacional da Biodiversidade, que surgiu na sequência da 1ª Convenção sobre a Diversidade Biológica. A biodiversidade ou diversidade biológica refere-se à variedade de organismos no Mundo e às relações complexas entre os seres vivos e entre eles e o ambiente.

A rápida destruição dos habitats e a ameaça ou o efetivo desaparecimento de algumas espécies criaram a necessidade urgente de se proteger o meio natural.

A biodiversidade é um bem precioso para o equilíbrio dos ecossistemas naturais e reveste-se de grande importância económica para a humanidade, particularmente ao nível das exigentes necessidades na produção alimentar e no controlo e tratamento de doenças.

Vivemos hoje uma época crítica, em que a perda de biodiversidade ao nível global atingiu valores sem precedentes. Assim, no dia 22 de maio, a Quercus volta a colocar este ponto na ordem do dia, chamando a atenção para a atividade da caça, por todas as implicações que esta tem na conservação da biodiversidade.

A Quercus considera que é imprescindível e urgente que as autoridades competentes tomem medidas mais efetivas de defesa da biodiversidade no setor da caça, um sector onde têm existido muitas palavras e pouca ação, e aproveita este dia para dar a conhecer junto da população alguns problemas graves que é urgente resolver neste sector. 

1. Período venatório

A caça está dependente dos ciclos periódicos naturais, pelo que não se podem fixar por períodos tão longos, como umbiénio ou um triénio, as espécies cinegéticas a caçar, os efetivos e os locais para abate, quando podem ocorrer alterações imprevistas com grandes implicações naturais, como já aconteceu no passado com os incêndios florestais, secas, etc.

Nesse sentido, a Quercus entende que o calendário venatório deve voltar a ser anual, corrigindo um grave erro da Portaria 147/2011 de 7 de Abril. 

2. Caça continua a contaminar com chumbo

Há muito que o chumbo é reconhecido como nefasto para toda a cadeia alimentar e em especial para as aves.

As aves, acabam por ingerir as pequenas esferas de chumbo dos cartuchos usados na caça. Daí resulta a intoxicação conhecida por saturnismo, com efeitos adversos na saúde das aves, podendo levar à sua morte.

Calculando os largos milhões de cartuchos usados anualmente na caça no nosso País, são muitas as toneladas de chumbo que, ano após ano, se vão acumulando nas nossas áreas naturais, com especial impacte nas zonas húmidas.

Estima-se que a utilização de chumbo nas munições provoca anualmente a morte de 2,6 milhões de patos por envenenamento na América do Norte, pelo que a sua utilização na caça às aves aquáticas está proibida em vários países (EUA, França, Espanha).

A Quercus considera que tem sido positiva a proibição da sua utilização, começando de forma gradual pelas zonas húmidas dentro das áreas classificadas sendo, contudo, esta medida claramente insuficiente.

No entanto, a legislação permite continuar a usar munições com chumbo em zonas húmidas na caça a outras espécies que não aves aquáticas e, além disso, permite que perdure a contaminação por chumbo em todas as outras zonas húmidas (não classificadas) e restante território nacional, pese embora o preâmbulo da Portaria assuma expressamente o contrário, e reconheça a grande incidência de saturnismo.

Deste modo, a Quercus defende a interdição imediata e total do uso de chumbo como munição em todo o território nacional, à semelhança de outros países como a Bélgica, Holanda, Dinamarca e Noruega.
3. Lista de espécies cujo abate é permitido

A Quercus considera absolutamente inadmissível e que quatro espécies de patos ameaçados continuem a poder ser abatidos por caçadores.

Os patos são a Frisada (Anas strepera), o Pato-trombeteiro (Anas clypeata), o Zarro–comum (Aythya ferina) e o Zarro-negrinha (Aythya Fuligula).

A Gralha-preta (Corvus coreone), outra espécie que pode ser caçada, pode ser confundida com espécies protegidas e ameaçadas segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal , tais como o Corvo (Corvus corax) e a Gralha-de-bico-vermelho (Phyrrocorax phyrrocorax), pelo que a Quercus defende assim que esta espécie seja retirada da listagem de espécies cinegéticas. 

4. Moratória para defesa da Rola-brava.

A Rola-brava (Streptopelia turtur) é uma espécie migradora que está a desaparecer a um ritmo galopante em Portugal e na Europa.

A situação da espécie na Europa é muito grave, estimando-se que a sua população tenha decrescido mais de 70% nos últimos 20 anos.

Recentemente, a Rola-brava foi incluída na Lista Vermelha de espécies ameaçadas da UICN – União Internacional para a Conservação da Natureza, com o estatuto de “Vulnerável”. Esta inclusão na Lista Vermelha é um reconhecimento internacional e científico da ameaça de extinção que a espécie enfrenta.

Acresce que, na data prevista para a abertura da caça à rola, ainda durante o mês de Agosto, é provável a existência de muitas rolas em nidificação ainda com crias no ninho e, pontualmente, ovos de posturas tardias ou mesmo segundas posturas das aves.

A Quercus defende assim a suspensão da caça a esta espécie em Portugal por um período mínimo de 5 anos, de modo a favorecer a recuperação das respetivas populações selvagens.
5. Sobreposição da caça com períodos de migração e reprodução

A Quercus considera que, enquanto continuar a existir permissão de caça a aves migratórias, deve haver pelo menos um ajuste nos calendários venatórios para se evitarem situações graves de abates de aves em períodos de reprodução e migração.

Apesar das melhorias significativas, continuam a existir sobreposições de 10 dias para algumas espécies como a Rola-comum, o Pombo-torcaz , os Tordos e o Pato-real, violando assim o Dec. Lei n.º 140/99, de 24 de Abril (alterado pelo Dec. Lei n.º 49/2005, de 24 de Fevereiro) e o calendário do Comité ORNIS, entidade responsável pela aplicação da Diretiva Aves a nível comunitário.

A Quercus entende que a caça à Rola, caso não seja detetada a moratória que defendemos, deve iniciar-se apenas na primeira década de Setembro, enquanto para o Pombo-torcaz e os tordos esta deveria terminar na última década de Janeiro.

Também período de caça aos patos se sobrepõe ao período de reprodução e de migração pré-nupcial destas espécies, pelo que a respetiva caça deveria iniciar-se na primeira década de Outubro e terminar na segunda década de Janeiro.

Em relação à Galinhola (Scolopax rusticola) continua a ocorrer um período de sobreposição de 10 dias com o período migratório pré-nupcial, pelo que a caça a esta espécie deve terminar na primeira década de Janeiro. 

6. Número de efetivos para abate

A Quercus entende que existem dados e estudos suficientes sobre algumas espécies que devem fundamentar a tomada de decisão por parte do Estado Português, no que diz respeito ao número de efectivos que podem ser abatidos.

Na dúvida, deve ser aplicado o princípio da precaução.

A título de exemplo refira-se o caso da Narceja-galega (Lymnochryptes minimus), espécie classificada como DD (Informação Insuficiente) no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, e que mantém o mesmo número de indivíduos para abate por dia por caçador (8 aves por dia por jornada de caça), quando na verdade esta espécie é rara.

A Quercus entende que quando existam dúvidas quanto ao efetivo de uma espécie e à sua capacidade de reprodução, deve ser proibida a sua caça. 

7. Falta de vigilância e fiscalização ao exercício da atividade venatória.

A falta de vigilância e fiscalização da caça tem levado a numerosas ocorrências de caça furtiva, abate de espécies protegidas e envenenamento de animais selvagens.

A maioria das Zonas de Caça, geridas, quer por organismos privados, quer por organismos públicos, carecem de sistemas eficazes de vigilância e fiscalização.

A Quercus defende alterações à legislação que obriguem as entidades gestoras de Zonas de Caça, incluindo municípios, a terem sistemas de vigilância e fiscalização e também à criação de mecanismos que permita a responsabilização dos responsáveis pelas zonas de caça pelos crimes contra a natureza e contra o património que ocorra no interior das respetivas Zonas de Caça.

8. Problemas sanitários

As populações selvagens de muitas espécies que são exploradas pelo sector cinegético encontram-se com graves problemas sanitários como a febre hemorrágica e a mixomatose nos coelhos ou a tuberculose na caça maior, pelo que é necessário medidas mais eficazes de controlo e minimização por parte de todas as entidades públicas e privadas.

 9. Espécies protegidas por lei envenenadas e abatidas a tiro

Todos os anos a Quercus recebe nos seus 3 centros de recuperação de fauna selvagem centenas de animais selvagens abatidos a tiro e ou envenenados em zonas de caça. A Quercus exige mais medidas de sancionamento administrativo, como a suspensão das licenças de caça ou suspensão da zona de caça, para as entidades gestoras que repetidamente continuam a abater espécies protegidas, pois as multas e os tribunais não estão a conseguir diminuir esta problemática.


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