Pai e filho juntos no ‘Madeira Legend’

Élvio Lume é um rosto conhecido nas lides dos ralis, destacando-se pelo seu clássico Ford Escort MK2 recuperado de raiz na garagem de sua casa, fruto de um trabalho de alguns anos.

Egas Lume, o filho, concretizou o sonho de miúdo: ter um carro construído pelo pai e por Ilídio Correia. Ambos vão participar no ‘Madeira Legend’ no final de Outubro.

Élvio Lume lamenta não se apostar na ilha neste tipo de eventos com clássicos que, segundo realça, traz muitas famílias de fora. Diz ainda que um ferry faz falta para impulsionar a modalidade na ilha, o que se refletirá na economia regional.

Tribuna da Madeira (TM) – Ambos vão participar no ‘Madeira Legend’ com um carro feito todo de raiz. Como surgiu este projeto, a ideia da reconstrução do Ford Escort MK2?

Élvio Lume – Esta ideia partiu de um amigo meu que comprou este carro no Porto a um idoso reformado. A ideia dele era fazer tipo Grupo N mas, entretanto, ele nunca conseguiu ir para a frente com o projeto e eu fiquei com o carro. Em princípio era para fazer um carro não assim tão robusto, mas há uma palavra nesta situação que a gente conhece que é o ‘já agora’. Começamos um projeto e depois a meio desse projeto vemos outras coisas já melhores e aí chega o ‘já agora’. Houve algumas coisas que mandámos buscar e ficou na prateleira porque não foi definido logo de início o projeto que chegou. Fundamentalmente, foi isso. Fomos aperfeiçoando sempre tendo em conta a inteligência do Ilídio Correia e o conhecimento geral que ele tinha sobre mecânica.

TM – Quanto tempo levou a concluir a reconstrução do Ford Escort, montagem, pintura, todo este processo?

Élvio Lume – Cerca de 5 anos. Foi tudo feito aqui na garagem, desde reforços, toda a reparação da carroçaria, desde pintura, foi tudo feito aqui dentro da garagem. Quando o carro saiu foi para a estrada. É um carro que me diz muito, fazê-lo assim de raiz.

TM – E em termos de gastos, qual foi o valor monetário dispensado neste processo?

Élvio Lume – Houve uma altura em que tivemos pouca sorte porque a libra estava demasiado alta. Depois surgiu um motor que o Ilídio conhecia muito bem que era genuíno neste carro, era um motor fiável só que era demasiado caro. Depois veio a parte da montagem já com o carro pintado, o jeitinho do Egas em fazer a parte artística do carro. E foi esta ajuda entre pai, filho, Ilídio, e alguns amigos que juntos fomos chegando a este ponto. Mas posso adiantar que o valor gasto dava para comprar um apartamento.

TM – Desde novo que tem este carinho especial, este ‘bichinho’, pelo desporto automóvel?

Élvio Lume – Isto já vem de há algum tempo em que cheguei a ter alguns problemas profissionais por causa de abrir a minha empresa ao fim de semana para poder desenrascar a malta que estava à rasca, que não podia continuar sem eu ter que fazer um determinado trabalho. Mas, às vezes, esta história complica-se porque nas empresas quando alguém vê fazermos determinadas coisas já estão a pensar que estamos a meter dinheiro, e depois há a parte da inveja. E que me chegaram a tentar criar problemas onde não existiam. O único problema era que eu fazia sem o consentimento, mas também se eu era o responsável e tinha chefia para determinadas coisas não era por aí. Porque não estava a roubar nada, nem nada disso. Eu preparei muitos carros aqui na Madeira. Andei muito à beira do Vasco Silva, do Manuel Pereira, de uns quantos, andei ao lado porque não tinha dinheiro. Tinha o meu ‘ninho’ por fazer, tinha as minhas prioridades. Chegou a uma altura da minha vida que eu tinha os meus compromissos todos realizados, então parti para o carro. E este carro é a maior paixão que eu tenho na minha vida. Adoro carros, tudo o que é carros, corridas.

TM – Influenciou o seu filho Egas Lume para seguir este mesmo gosto e interesse pelos ralis?

Élvio Lume – As corridas não nos traz nada. Temos de manter um certo nível de juízo, porque se nos entusiasmamos nas corridas depois estamos a gastar dinheiro que não nos apercebemos que estamos a gastar. E aí há que ‘puxar o travão de mão’. Eu sei que o meu filho, na realidade da vida atual, enquanto eu estiver presente vamos andando a fazer esta brincadeira. Mas de hoje para amanhã que eu parta para outro lado, porque a minha geração já está indo, o que vai acontecer é que o Egas sem patrocínio vai ser difícil para ele. Mas ele é que vai decidir futuramente o que vai poder fazer.

TM – Faço-lhe a mesma pergunta Egas Lume, se o seu pai o influenciou para estas lides do automobilismo?

Egas Lume – Eu penso que não influenciou. Desde miúdo que eu gostava de carros, sempre fui ver ralis com ele, sempre fui para as garagens ver as preparações dos carros, e foi nascendo esse gosto pelos ralis que é bastante grande. O rali, para mim, é tudo, é o meu desporto preferido desde miúdo e penso que vai continuar a ser.

TM – Quando foi a sua primeira vez na estrada com o Ford Escort?

Egas Lume – Com o Ford Escort íamos fazer o primeiro campeonato a sério mas não correu muito bem devido a um problema no bloco do motor que jogou muito óleo, tive uma saída de estrada e bati logo na primeira prova do campeonato. Não fizemos esse campeonato todo, fizemos só essa primeira prova que batemos e a última do Paúl. No ano a seguir então fizemos o campeonato todo e fomos campeões dos Clássicos.

TM – E como é que foi esse momento de vitória?

Egas Lume – Foi uma grande alegria, foi um prazer enorme dar uma alegria ao meu pai e ao Ilídio por terem feito um carro que acabou por vencer qualquer coisa.

TM – Como é que viveu este momento, ver o seu carro construído de raiz a vencer esta prova?

Élvio Lume – Vive-se sempre com uma certa alegria mas sempre apreensivo. Nunca fui um pai muito presente em dizer vai buscar este ou aquele, deixo ele andar à vontade. Ele anda pela cabeça dele e pelo que sente que deve de andar, sentir o carro. Ele tem que sentir, tem de desenhar a curva e sentir o carro porque o que eu digo sempre é que se ele entrar mal vai sair mal, mas se entrar bem vai sair bem.

TM – Como é ficar de fora a assistir o seu filho a circular com o carro nestas provas?

Élvio Lume – Fico apreensivo. Gosto da equipa, é uma equipa que tem todo o performance, parece um carro do campeonato do WRC com todos os pormenores. Vamos convivendo com todos, esta envolvência é uma alegria. Quando vejo o carro passar fico vaidoso, claro.

Egas Lume – É uma equipa muito familiar.

TM – Arrependeu-se alguma vez desta experiência, das horas perdidas em redor deste carro, assim como nos gastos?

Élvio Lume – Se eu me arrependi? Não, de maneira nenhuma. Este é um lugar que deixa de preencher outro. Imagine que eu em vez de aplicar o dinheiro neste carro ia viajar, creio que se eu fizesse isso não ia ser feliz. Estou muito mais feliz com o carro.

TM – Um dos seus sonhos de miúdo era ter um carro feito pelo seu pai e pelo Ilídio Correia. Esse sonho foi realizado. Sente-se satisfeito?

Egas Lume – Sim. Desde novo era meu sonho ter um carro feito pelo meu pai e pelo Ilídio Correia. Sou um pouco suspeito de falar, mas penso que aqui na Madeira, e talvez noutros lugares, não haja ninguém com as competências de fazer um carro tão bem feito como o meu pai e o Ilídio. O meu pai na carroçaria, o Ilídio na mecânica. Para mim, são os deuses, os gurus, da preparação de um carro desde raiz. É um dos maiores prazeres da minha vida, correr num carro feito por eles os dois.

TM – Em relação às provas de ralis, acha que tem sido dada a devida aposta a esta modalidade na Região?

Élvio Lume – Não, longe disso. Sabe que em tudo na vida, desde política tudo, há uma certa elite. E as próprias organizações têm uma certa atenção, às vezes, a outros carros que não dá, por exemplo, a um projeto destes. Porque um projeto assim como este não deve haver muitos por aí.

Egas Lume – Principalmente por ser um projeto regional, um carro todo feito na Madeira por pessoas conceituadas.

Élvio Lume – É claro que os carros que andam na frente nos ralis, como os R5 que são carros caríssimos têm de ter por trás um suporte muito grande de financiamento. Esses conseguem arranjar, andam na frente, aparecem na televisão mais vezes. Agora, para nós, é muito complicado. Se não for o entusiasmo, os amigos…

TM – Acha que devia haver mais apoios?

Élvio Lume – Concerteza. Mas aqui na Madeira sempre foi assim. Por isso que fazemos só rampas porque é mais barato.

TM – Acha que o ARMAS, ou outro navio do género, faz falta para impulsionar esta modalidade na ilha?

Élvio Lume – Faz falta, principalmente agora no Madeira Legend. Está aprovado que o ARMAS é para esquecer porque não temos mercado aqui na Madeira. Agora, para mim, seria muito bom vir um ferry, por exemplo, no caso do Legend ou no Vinho Madeira caso vá para o campeonato de Europa.

TM – E porquê?

Élvio Lume – Porque, principalmente no Legend há carros que valem uma fortuna fabulosa e eles não querem que a carga seja aérea, tem de ser carga movível. Então, aí, o Governo Regional atendendo a que o automobilismo é um dos desportos mais eficazes aqui na Madeira e querido pelos madeirenses, em vez de darem ao futebol para eles andarem à batatada, pegavam nesse dinheiro e davam ao automobilismo porque um carro pode vir a trazer 30 ou mais famílias. Já viu o que isso representa para a economia da Madeira, o que iria impulsionar a economia regional.

O Dr. Paulo Fontes sabe que isso é assim, e toda a gente que pertence às organizações, não há margem para dúvida que isso é o melhor.

TM – Ambos, Élvio Lume e Egas Lume, vão participar no Madeira Legend, nos dias 29 e 30 de outubro. Quais são as perspetivas?

Élvio Lume – As perspetivas é eu e o Egas fazermos uma equipa, e essa equipa vai para se divertir, porque gostamos e vamos tentar chegar o máximo à frente. Vamos fazer o possível de andar e de o carro não ficar mal.

Egas Lume – Para já, é um rali que eu acho que tem muitas ‘pernas para andar’. É um rali que se for bem trabalhado dentro em breve vai ser superior ao Vinho Madeira, porque os Legends pela Europa toda estão a ter mais carros e mais adeptos. São carros lindíssimos, são carros que estiveram muito tempo proibidos de andar na estrada e que voltaram a poder andar por causa dos Legends. O nosso objetivo é mostrar o carro aos madeirenses e às pessoas que vêm de fora para ver o Madeira Legend. E tentar andar o melhor possível.

TM – Se tivessem de apontar um momento, negativo e positivo, que mais os tenha marcado nestas lides dos ralis, o que destacariam?

Élvio Lume – Pela negativa foi um acidente que eu tive num rali e fiz fraturas expostas. Positivos são tantos. Mas destaco talvez um, ser co-piloto do campeão regional Vasco Silva no Rali dos Açores. Foi um rali que me diverti imenso, foi muito marcante para mim. Egas Lume – Negativo, foi um acidente que tive com o Escort, demorou um pouco a conseguir ultrapassar e perceber que a culpa não tinha sido minha, demorou a esquecer.

Positivo, foi o ano em que fomos campeões que foi um ano que correu tudo bem. Foi um ano excelente. Positivo tem também as grandes amizades nas provas que é espetacular, e só mesmo lá dentro é que se tem a noção disto.

TM – Usa-se muito a expressão «quem corre por gosto não cansa». É isso que sentem?

Élvio Lume – Sim.

Egas Lume – Sim, é mesmo isso.

TM – Gostariam de deixar alguma mensagem em especial?

Egas Lume – Que corra tudo bem no Madeira Legend, que a organização tenha o maior sucesso porque é uma prova que tem ‘pés para andar’. Que venham muitos pilotos de fora e que muitos dos madeirenses que têm clássicos tirem os carros da garagem e que venham tanto para o Legend como para as rampas e rali. As organizações deveriam fazer de maneira com que as pessoas se interessem e que tragam os clássicos de volta às provas. Que corra tudo bem aos pilotos que vão participar nesta prova.

Élvio Lume – Queria dizer a todos os amigos envolventes, a toda a equipa que têm dado sempre o melhor e continuam a dar, vou apoiá-los para que isso aconteça sempre. Aos meus amigos que vão ao Legend que se preparem bem, embora às vezes há surpresas. Que as pessoas vejam o rali em segurança e que vão assistir ao espetáculo na Avenida. Queria deixar ainda um agradecimento à nossa equipa de assistência, e não só, ao Mestre Diamantino, ao Miguel, ao Fábio, por tudo o que têm feito por nós e continuam a fazer. Queria agradecer à minha irmã pelo design que está sempre pronta a ajudar, agradecer também à minha mãe pelas sandes de omelete. E um agradecimento muito especial a uma pessoa que sentimos muita falta, que já não está entre nós, que é o Ilídio Correia. Cada prova é sempre uma homenagem a ele porque ele vai sempre com a gente.

Élvio Lume: “Este carro é a maior paixão que eu tenho na minha vida”.

 

 

 

 

 


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