Sazonalidade do Enfarte Agudo do Miocárdio

Vários estudos realizados em diversas zonas do Globo mostram que há um aumento da incidência de enfarte durante os meses de inverno. Alguns autores têm verificado inclusivamente que uma descida de 10ºC na temperatura acompanha um aumento aproximado de 7% do número de enfartes.

Em Portugal, uma análise retrospectiva do Registo Nacional de Cardiologia de Intervenção (registo da APIC-SPC: Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular da Sociedade Portuguesa de Cardiologia) também mostra esta tendência: nos meses de Julho a Setembro observaram-se 21,8% dos enfartes, contra 29,3% dos que se observaram entre os meses de Janeiro a Março. O mês de Dezembro, devido à baixa das temperaturas, associada muitas vezes a alguns excessos alimentares habituais na época natalícia, é uma época em que aumentam as idas às urgências devido a problemas cardiovasculares.

Este aumento da incidência é multifactorial e poderá estar relacionada com o aumento da pressão arterial, maior necessidade de oxigénio por parte do músculo cardíaco, alterações hormonais e da coagulação do sangue. Além da temperatura, também a pressão atmosférica e a redução das horas de sol poderão estar envolvidas. É também possível que factores inflamatórios, relacionados com infecções respiratórias, possam estar implicados. Factores externos relacionados com o estilo de vida, designadamente os níveis de colesterol, falta de actividade física, obesidade e níveis de tabagismo são igualmente aspectos que contribuem para o aumento do número de enfartes.

As populações mais idosas de idade superior a 70 anos parecem ser as mais vulneráveis.

Sendo as doenças cardiovasculares a principal causa de morte da população portuguesa, estes dados são da maior importância em termos de prevenção, pois é essencial desenvolver campanhas de sensibilização que alertem para o risco de exposição a temperaturas extremas, assim como proceder em caso de suspeita de enfarte.

A Iniciativa “Stent-for-Life” (SFL), da APIC-SPC, vem alertar para o facto de, a par do previsto aumento dos episódios gripais nas próximas semanas, com o consequente aumento da procura às urgências hospitalares, se poderá também observar um incremento do número de enfartes.

Sendo Portugal um país em que a maioria dos doentes, com suspeita de enfarte ainda não liga para o 112 e decide dirigir-se tardiamente e pelos seus próprios meios para os hospitais, será de prever que muitos deles entrem em hospitais não especializados no tratamento do enfarte e possam perder tempo e oportunidade de tratamento atempado em processos de triagem prolongados. Um estudo da APIC-SPC mostrou que os doentes que ligam para o 112 são tratados de uma forma mais célere, o que se pode traduzir na redução das complicações e da mortalidade.

Importa pois continuar a alertar a população portuguesa para a importância de ligar para o 112 perante os seguintes sintomas: dor no peito por vezes com irradiação ao braço esquerdo, costas e pescoço, podendo ser acompanhada de suores, náuseas, vómitos, falta de ar e ansiedade. Simultaneamente, há que levar a cabo campanhas, sobretudo conduzidas para as populações mais vulneráveis, os idosos e de situação sócio-económica mais desfavorável, que chamem a atenção para a exposição ao frio e para as medidas de proteção e de estilo de vida que contrariem os factores que possam estar associados a um aumento do risco cardiovascular.

Dr. Hélder Pereira, Diretor Serviço Cardiologia do Hospital Garcia de Orta


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