Bem-te-quero e malmequeres‏

Invasor que sou

Dou por mim muitas vezes a pensar no invasor de espaços e momentos alheios à minha condição de ateu e de homem necessitado de silêncios.
Recordo mesquitas de Hama, de Damasco e Alepo, de Marraquexe ou Jerusalém.
Recordo templos budistas de Inle, de Tóquio, de Yangoon, de Bangkok e Hanói.
Recordo até a simples capela alentejana, ou a igreja branca na serra algarvia, ou a basílica numa qualquer cidade de cá ou de fora.
E pergunto-me com que direito, afinal, lhes interrompo os silêncios, tantas vezes com a voracidade visual que me impele.
E pergunto-me com que direito, afinal, lhes invado os espaços que acolhem imagens e crenças e símbolos em que não creio.
E pergunto-me com que direito, afinal, lhes rasgo as necessidades de recolhimento, as vontades de ficarem a sós com os seus santos e os seus deuses.
Com direito nenhum, é certo, a não ser o da minha condição de perscrutador das curiosidades do mundo, das idiossincrasias das gentes, das memórias que insisto em acumular no meu álbum de partidas e regressos.
Sou um invasor assumido e impenitente que se consome na busca do tudo. Sou um roubador de momentos que não me pertencem.
Espero, por isso, o perdão dos deuses alheios, penitenciado pelas orações murmuradas aos santos por bocas que não são minhas, por gestos que me limito a olhar.
Aguardo, a qualquer momento, as minhas redenções litúrgicas salmodiadas em árabe, latim, hebraico ou birmanês.
António Cruz escreve de acordo com a antiga ortografia.

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